A divertida Farsa de
Inês Pereira apresenta um contraste com o Auto da Barca do Inferno e O
Velho da Horta no tocante à mensagem moralizante. Como vimos anteriormente,
nestas peças os personagens que cometem alguma falta são punidos, seja indo para
o inferno, seja perdendo seus bens. No caso de Inês Pereira mesmo traindo o
marido ela não recebe qualquer punição.
Atendo-me tão somente à leitura da peça observei que há um
momento que poderia ser tido como atenuante para a não punição de Inês. É
aquele em que Lianor Vaz, a alcoviteira, surge na história dizendo como havia
sido assediada de modo violento por um clérigo a caminho da casa de Inês. Esse
episódio não possui maiores repercussões no desenrolar da peça, porém poderia
ser sugerir que a traição de Inês seria uma espécie de "revanche"
contra um comportamento usual dos homens, inclusive, clérigos.
Observem como é forte
a descrição que Lianor faz quando ela recusa as investidas do padre:
(...)
E hum clérigo, mana minha,
Pardeos, lançou mão
de mi;
Não me podia valer
(...)
Quando o vi pegar comigo,
Que m'achei naquele
p'rigo:
– Assolverei! - não
assolverás!
–Tomarei! - não
tomarás!
– Jesu! homem, qu'has
contigo?
– Irmã, eu te assolverei
Co breviairo de
Braga.
– Que breviairo, ou
que praga!
Que não quero: aqui
d'el-Rei! –
Quando viu revolta a
voda,
Foi e esfarrapou-me toda
O cabeção da camisa.
(...)
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