quarta-feira, 29 de junho de 2016

Farsa de Inês Pereira

A divertida Farsa de Inês Pereira apresenta um contraste com o Auto da Barca do Inferno e O Velho da Horta no tocante à mensagem moralizante. Como vimos anteriormente, nestas peças os personagens que cometem alguma falta são punidos, seja indo para o inferno, seja perdendo seus bens. No caso de Inês Pereira mesmo traindo o marido ela não recebe qualquer punição.

Atendo-me tão somente à leitura da peça observei que há um momento que poderia ser tido como atenuante para a não punição de Inês. É aquele em que Lianor Vaz, a alcoviteira, surge na história dizendo como havia sido assediada de modo violento por um clérigo a caminho da casa de Inês. Esse episódio não possui maiores repercussões no desenrolar da peça, porém poderia ser sugerir que a traição de Inês seria uma espécie de "revanche" contra um comportamento usual dos homens, inclusive, clérigos.
 
 Observem como é forte a descrição que Lianor faz quando ela recusa as investidas do padre:
(...)
E hum clérigo, mana minha,
 Pardeos, lançou mão de mi;
 Não me podia valer
(...)
Quando o vi pegar comigo,
 Que m'achei naquele p'rigo:
 – Assolverei! - não assolverás!
 –Tomarei! - não tomarás!
 – Jesu! homem, qu'has contigo?
– Irmã, eu te assolverei
 Co breviairo de Braga.
 – Que breviairo, ou que praga!
 Que não quero: aqui d'el-Rei! –
 Quando viu revolta a voda,
Foi e esfarrapou-me toda
 O cabeção da camisa.
(...)

Os estudiosos da obra de Gil Vicente certamente têm mais elementos para explicar o porquê de o autor não ter concluído a peça com esta mensagem moralizante. Gil Vicente escreveu 44 autos e a análise em conjunto dessa obra indicaria se a Farsa de Inês Pereira é algo que foge a algum padrão pretendido pelo autor ou se simplesmente Gil Vicente estava interessado em descrever a vida como ela é.

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