quarta-feira, 29 de junho de 2016

A Europa que eu vi

Interessante que A Europa que eu vi começa por ...Dakar no Senegal e continua por Tenerife nas ilhas Canárias, Ilha da Madeira, “a pérola do Atlântico’, e, finalmente, desembarca em Portugal. Em Portugal, Beli Carneiro da Cunha descreve em detalhes as várias cidades que visitou com ênfase no turismo religioso. As viagens da autora ocorreram em 1938, 1948 e 1950.
Na cidade de Mafra visitou o grandioso mosteiro construído por D. João V. Destaco esta passagem:
“Na cozinha imensa, vi panelas descomunais, pias e um tanque para lavagem de louças e caçarolas, com um dispositivo, a carvão ou lenha, para o aquecimento d’água de dissolução da gordura. Antes da cozinha, uma sala guarda a louça. Achei bem pequeno o caneco d’água ao passo que bem grande o caneco de vinho e, enorme, o urinol. ” P. 17.
No final do capítulo sobre Portugal ela elogia a organização e educação dos portugueses com uma franqueza política rara nos dias de hoje:
“Há respeito e ordem em tudo. O povo, em geral, é educado, contrastando com a rispidez do nosso Zé Povinho.
Vendo Portugal, sob a ditadura, com seu povo ordeiro, respeitador e delicado, o meu conceito de liberdade, sob a democracia, se abala. ” P. 33

Em seguida parte para a França também visitando diversas cidades. Em Nice dirá o que todo nordestino constata das praias europeias: “Cidade cosmopolita, muito cheia de turistas, cuja praia, muito aquém das nossas como beleza física...” E já se escandalizando com os trajes de banho da época...” apenas se destaca pelas roupinhas de banho constituídas apenas do essencial, sem o que a nudez feminina seria completa. ” P. 40.


Na Itália o turismo religioso se intensifica. Ao visitar o Colégio das Doroteias, em Roma, destaca o fenômeno do corpo incorrupto de Paula Frassinetti e lança um desafio: “Que dizem os hereges, os ateus, os incrédulos e os cientistas diante do corpo da beata Paola? Do que vi, resultou aumentada a minha fé. ” P. 48
Em seguida Beli partiu para a Suíça escrevendo um pequeno relato.

 Na Áustria destacou que no hotel onde se hospedou havia a inscrição: “Os judeus são indesejáveis neste hotel. ” p. 59
Sobre Viena escreveu “a minha estada foi povoada de temores. ” E prosseguia narrando os 3 dias de visita em julho de 1938, “Sentia-me, a despeito de estrangeira, constrangida naquele ambiente de ocupação, com caminhões repletos de soldados embalados percorrendo as ruas de maior movimento, em demonstração de força, enquanto a população, humilhada, se mostrava assustada e temerosa. ”
(...)
“ O ‘Hell Hitler’ eu o ouvia em todos os lugares, em todos os momentos, por todos os motivos: nas lojas, nas ruas, no hotel, e, até no elevador. A cada exclamação, um caricato levantar de braços...” p. 60

Na Hungria, sarcasticamente, escreveu: “Ao tempo em que lá estive, a Hungria era um reino sem rei, com um regente almirante, de um país sem esquadra e sem porto de mar. ” E continua no mesmo tom, ao falar das cidades de buda e Pest, comentando a imagem que se tinha do Brasil: “Elegantes e magníficas pontes fundem as duas cidades onde o Brasil é apenas conhecido como um longínquo país povoado de serpentes e que produz café. ” P. 62


E conclui seu relato descrevendo sua rápida passagem por Berlim onde passou apenas 2 dias.

A emoção de manusear cuidadosamente as páginas já bastante envelhecidas e com o cheiro do tempo, bem como as fotos cujos personagens, provavelmente, já não existem mais, me trouxe a reflexão, a exemplo da caveira encontrada entre os utensílios da cela franciscana visitada por Beli no mosteiro de Mafra, de que seu singelo relato é também um alerta de que tudo passará.
Diante disso, nada melhor que concluir esta resenha com a epígrafe do livro de Beli Carneiro da Cunha:
“ Fazer projetos para uma existência de 100 anos e cumpri-los a cada momento como se não tivéssemos para viver se não 24 horas. ”

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