sábado, 27 de fevereiro de 2016

Crítica & Correspondência

O fenômeno da profusão de ideias e a ansiedade das pessoas em comunicá-las podem ser exemplificados com a personagem Srª de Ris na peça As mulheres terríveis  analisada pelo escritor:
“Curiosa e indiscreta, pergunta para saber, e fala para dar pasto a uma irresistível vocação da tribuna. Não lhe escapa o menor movimento, o fato mais insignificante; quer saber tudo; tudo indaga, tudo perscruta, de tudo se informa. Depois, como se tanto conhecimento a afrontasse, não espera o trabalho digestivo da reflexão, deita o que sabe à primeira atenção em disponibilidade, ou sem ela.” (p. 26)
Este “pobre almanaque arrependido” não seria o internauta médio de nosso mundo digital?
Uma polêmica de nosso tempo
Gostaria de destacar um comentário sobre o personagem Lourenço da peça Escravo fiel (1859). Lourenço é um escravo fiel e que pratica boas ações ao longo da trama. Ao final de sua crítica Machado de Assis faz o seguinte comentário:
“Há uma frase lindíssima, entretanto, desse mesmo negro:
- Eu sou negro mas as minhas intenções eram brancas!” (p.76)
Para o escritor do século XIX esta é uma “frase lindíssima” que merece ser destacada pelo caráter de normalidade de seu tempo. Ao ler este comentário lembrei-me imediatamente da proposta de censura a algumas obras de Monteiro Lobato, destinadas às escolas, por nelas haver algumas frases de conteúdo racista. Do meu ponto de vista, antes de defender a censura, é preciso entender e ensinar o contexto histórico e as ideias dominantes na época desses autores. As crianças e alunos que se depararem com esse preconceito, precisam valer-se desse conhecimento para perceberem que somos frutos de uma época. Isso é aprendizado!
E se os alunos descobrirem que mesmo nessa época havia condições objetivas de crítica ao racismo, pior para os Machados e os Lobatos. No caso de efetivamente existirem essas “condições objetivas de crítica ao racismo” (pouco provável no caso de Machado de Assis), as crianças terão uma dupla e valiosa tarefa: primeiro, perceber que mesmo os escritores geniais não deveriam ser tomados como referência ética em certos aspectos da dignidade humana; segundo, que suas obras não podem ser reduzidas a frases ou comentários que hoje consideramos preconceituoso. Isso também é aprendizado. Mas censurar, jamais.

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