sábado, 27 de fevereiro de 2016

Coração devotado à morte: o sexo e o sagrado em Tristão e Isolda de Wagner

Definitivamente, este é um livro que devo reler. Entre leituras interrompidas e outras feitas durante pequenas viagens, Coração devotado à morte merece muito mais atenção e anotações.
E não me refiro apenas  ao capítulo 4 dedicado à música de Tristão e Isolda que requer conhecimento de musicologia.  Todos os demais capítulos são de uma riqueza e detalhes filosóficos que exigem, ou melhor, merecem uma leitura acurada. A advertência de Scruton de que o livro não deve ser lido apenas com um guia do drama musical de Wagner, mas também como um estudo de caso da filosofia kantiana do homem, dá-nos uma ideia da proposta do autor e do que nos espera.
Aqui eu destaco o seguinte:
- Um esclarecimento sobre o título do livro
No motivo 13 Isolda canta: “Cabeça devotada à morte! Coração devotado à morte!”
“A cabeça é a de Tristão – símbolo da busca racional de objetivos mundanos; o coração é de Isolda – símbolo de uma paixão que nenhuma razão e nenhum objetivo mundano podem dissipar.” (p. 55)
- Filosofia do olhar
“De sua cama olhou para cima – nem para a espada, nem para a mão – olhou nos meus olhos.”
Scruton nos lembra que neste trecho existe uma fenomenologia do olhar. Olhamos para objetos inanimados e para partes do corpo humano, porém olhamos nos olhos de uma pessoa. E esse olhar nos olhos de alguém está repleto de significados, de desejo; são olhares comprometedores, invocando ora o ódio, ora o amor.

Scruton menciona os estudos de Merleau-Ponty, Sartre e Hegel a esse respeito concluindo que para esses três filósofos “ o olhar está relacionado à condição existencial da autoconsciência – a condição que nos distingue dos outros animais. Os animais podem olhar para os seus olhos; eles não podem olhar nos seus olhos, apesar das ilusões dos amantes dos bichos de estimação.” (p. 59)
- A morte e nossa crença no sobrenatural
Ao discutir  a noção de sagrado Scruton indica sua relação com a morte. A morte nos apresenta o corpo humano desprovido de alma, um objeto sem sujeito, frouxo, sem governo e inerte. Em última instância diz respeito à carne humana sem o eu. “O corpo não é menos um objeto do que um vazio no mundo dos objetos.”
A relação com o sagrado advém da reverência que é prestada ao morto em todas as sociedades. Porém, por que devemos reverência aos mortos? Scruton sugere que estando diante de um morto reagimos de modo não só a temer (a morte), reverenciar (o morto), mas também a alimentar nossa crença no sobrenatural: “De algum modo, esse corpo ainda pertence à pessoa que desapareceu: imagino-a exercendo seu direito sobre ele desde regiões espectrais, onde não se pode tocá-la. Ao defrontarmo-nos com a morte, portanto, nossa imaginação dirige-se espontaneamente para o sobrenatural.” (p. 236)

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Eu acho muito legal quando um especialista (neste caso um filósofo) interpreta ou explica uma obra. A sensação é que, para além da compreensão racional, conseguimos interagir de modo mais completo com ela.
O livro de Roger Scruton vai nesta direção, porém, para quem não conhece Tristão e Isolda eis algumas dicas:

- Filme de Kevin Reynolds. Com todas as "licenças poéticas" que um filme normalmente implica - https://youtu.be/X6YmozE_Y1U

- Tristão e Isolda em PDF (apenas 38 páginas!) - http://www.agrandeopera.com.br/wp-content/uploads/2013/10/tristaoisolda.pdf

- A música regida por  Herbert von Karajan - https://youtu.be/L44Ml8K_mDg

- A ópera com Montserrat Caballé e Richard Versalle  (legenda em espanhol) - https://youtu.be/5owplUAW9E8

  

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